quarta-feira, 14 de maio de 2025

Entre o anúncio e a realidade

Na gestão pública, muito se fala em investimentos e, na maioria das vezes, o termo é associado à aplicação de recursos em áreas estratégicas como saúde, educação, segurança, entre outras. O investimento público corresponde aos gastos realizados pelo Estado com o objetivo de ampliar, manter ou melhorar a capacidade produtiva, os serviços públicos e a infraestrutura econômica e social.

As despesas públicas são classificadas em pessoal e encargos sociais, custeio e capital. As despesas de capital se subdividem em investimentos, inversões financeiras e amortização da dívida. Investimentos envolvem obras e aquisição de bens permanentes. As inversões referem-se à compra de imóveis ou participações em empresas. Já as amortizações correspondem ao pagamento do principal da dívida pública.

Portanto, é importante destacar que nem toda despesa de capital configura um investimento, e os gestores públicos devem utilizar o termo com precisão, além de planejar os investimentos com foco na melhoria dos serviços prestados à população. Mais do que simplesmente ampliar o volume de investimentos, é essencial garantir que haja capacidade instalada, ou ao menos a possibilidade concreta de ampliá-la, para assegurar a manutenção e a operação eficaz dos serviços após a conclusão dos empreendimentos.

A construção de uma escola ou de uma Unidade Básica de Saúde só é estratégica e relevante se vier acompanhada do devido planejamento para sua operação. Há inúmeros exemplos de gestores que iniciaram diversas obras sem planejar adequadamente seu funcionamento. Não previram as contratações de pessoal, tampouco a aquisição de equipamentos e materiais permanentes. Em alguns casos, sequer dispunham de servidores para operar as novas estruturas. Para além da evidente incompetência no planejamento, tais condutas devem ser consideradas irresponsáveis, pois resultam na construção (ou início de construção) de equipamentos públicos que não podem entrar em funcionamento sem comprometer outras ações essenciais da administração.

Além do mais o investimento tem que se demonstrar importante e não somente ser anunciado pelo seu valor global, o que de forma geral impressiona qualquer munícipe. E é claro que o porte do município pode interferir no volume global e para evitar as distorções do “efeito-tamanho” dos municípios e os tornarem comparáveis basta efetuar a análise dos indicadores dividindo o valor nominal pela população total. Assim podemos comparar municípios grandes com os pequenos.

Tive a curiosidade de verificar os valores do investimento por habitante de alguns municípios da região nos últimos três anos e não me impressionei em identificar que os valores ficaram entre os menores do estado. Muitos analistas ou mesmo muitos agentes políticos analisam somente a relação do investimento com o gasto total do município, mas isto não basta. Tem que se analisar o déficit desses equipamentos públicos e avaliar as reais necessidades da população. Apresentar grandes cifras é importante, mas mais importante ainda é que os valores investidos sejam efetiva e positivamente impactantes na sociedade.

Investir não é apenas gastar, é planejar com responsabilidade e garantir resultados reais para a população. Obras sem operação e cifras sem impacto são sinais de má gestão. Como disse Keynes, “a dificuldade não está nas novas ideias, mas em escapar das antigas”. Dentre as ideias antigas temos a de que quantidade importa mais que qualidade. O que se espera dos gestores é menos propaganda e mais efetividade.

 

quarta-feira, 7 de maio de 2025

Planejar para não falhar

A execução das políticas públicas é uma atividade complexa que exige articulação entre diferentes setores da administração, respeito aos marcos legais e atenção às reais necessidades da população. No entanto, o que deveria ser um exercício racional de antecipação e preparação tem se tornado um retrato da improvisação e da falta de planejamento no setor público. Isso se traduz em atrasos, falhas na entrega de serviços essenciais e uma percepção generalizada de ineficiência da máquina pública.

No centro desse problema está a ausência de um planejamento estruturado e com a devida antecedência. No setor público, qualquer ação concreta, desde a entrega de uniformes escolares, a realização de exames médicos até a recuperação de vias públicas ou a reforma de escolas exige um processo de compras e contratações que deve seguir rigorosos ritos de legalidade, impessoalidade e publicidade. Isso significa que não basta querer fazer, é preciso prever, planejar e cumprir prazos formais.

A legislação que rege as licitações e contratos administrativos impõe etapas obrigatórias antes da emissão de ordem de compra ou serviço. Esse percurso, em média, consome mais de 90 dias, podendo se estender ainda mais em casos de contratações complexas ou com alto valor agregado. E mesmo após finalizado o trâmite, o fornecedor ou prestador de serviço ainda dispõe de seu próprio prazo contratual para entregar o objeto ou executar a tarefa, o que pode levar semanas ou meses.

Diante dessa realidade, os gestores públicos precisam fazer o dever de casa e planejar com antecedência. Atrasos na entrega de uniformes escolares, por exemplo, são um sintoma claro da negligência no planejamento. Se a meta é entregar os materiais no início do ano letivo, o processo licitatório precisa estar iniciado, no mínimo, seis meses antes, ou seja, no ano anterior. Isso também se aplica à todas as contratações, pois sem planejamento orçamentário, cronograma definido e pactuação prévia, os atrasos se tornam inevitáveis. E isso penaliza o cidadão, sobretudo o mais vulnerável, que depende exclusivamente dos serviços públicos.

A falta de planejamento, além de gerar ineficiência, contribui para o descrédito das instituições públicas. Não são raras as situações em que ações anunciadas não saem do papel ou chegam tarde demais. Isso não se deve à falta de recursos ou de boa vontade, mas à ausência de organização, previsibilidade e compromisso. Gestores que deixam as ações “correrem soltas”, sem cronograma, sem planejamento, acabam desperdiçando tempo, dinheiro e, principalmente, a confiança da população.

A crítica não deve ser apenas direcionada ao passado, mas deve servir de alerta para o futuro. Aos novos gestores cabe a missão inadiável de reconstruir essa cultura do planejamento, reorganizar a execução das políticas públicas e instituir práticas de governança que garantam continuidade, previsibilidade e eficiência. Planejar não é uma opção, é uma necessidade. E mais: é um dever ético, legal e moral do gestor público. A Constituição de 1988 já determina que a administração pública deve obedecer aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Nenhum desses princípios se sustenta sem planejamento.

É necessário reafirmar, com todas as letras que “o planejamento é a principal virtude de qualquer gestor”. A boa administração começa antes da execução, com a previsão, o estudo de viabilidade, a definição de prioridades e a organização dos meios. Sem isso, o gestor não administra, apenas reage.


quarta-feira, 30 de abril de 2025

Quando o poder serve aos seus

No Brasil, onde a desigualdade social é crônica e a carência de investimentos em áreas essenciais é gritante, alguns agentes políticos insistem em transformar o dinheiro público em instrumento de favorecimento pessoal e político. A gestão irresponsável dos recursos não é apenas um sintoma da velha política patrimonialista, mas uma ameaça concreta à saúde fiscal do país.

Exemplo recente foi a crise no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Em abril, investigações revelaram um esquema bilionário de descontos indevidos em aposentadorias e pensões, atingindo a cifra de R$ 6,3 bilhões. O presidente do INSS acabou demitido. Mais grave foi a postura do Ministro da Previdência, Carlos Lupi, que tergiversou sobre as responsabilidades e abriu caminho para que uma deputada propusesse simplesmente a devolução dos valores aos prejudicados.

Em paralelo, assistimos ao espetáculo das comitivas presidenciais inchadas. Para eventos internacionais, enquanto líderes de nações ricas ou emergentes enviam delegações enxutas, o Brasil ostenta a ostentação: para o velório do papa Francisco, a comitiva presidencial somou cerca de 20 integrantes. Na Assembleia Geral da ONU, em 2024, a missão brasileira contou com cerca de 100 pessoas, segundo levantamentos oficiais. É o “espírito de casa cheia” financiado pelos cofres públicos, demonstrando que, para certas autoridades, a festa é sempre paga com o dinheiro alheio.

As previsões para as contas públicas brasileiras são sombrias: o déficit primário volta a crescer, indicando que o governo gasta muito mais do que arrecada. O déficit nominal, que inclui os encargos da dívida pública, também sobe, agravando o quadro. O resultado é o aumento da relação dívida pública bruta sobre o Produto Interno Bruto (PIB), que, segundo o próprio Banco Central, poderá ultrapassar 87% até 2027, empurrando o país para o limiar da insustentabilidade fiscal.

Essa gastança irresponsável, em vez de impulsionar o crescimento econômico, mina a confiança, afasta investimentos e gera riscos de aumento de impostos, penalizando justamente os mais pobres. E o exemplo de Brasília contamina estados e municípios. Recentemente, assistimos a casos emblemáticos como a aprovação de reajustes salariais que comprometem a capacidade financeira em estados como Minas Gerais e Rio Grande do Sul, além da multiplicação de estruturas administrativas inchadas em prefeituras de médio porte. Muitas administrações locais operam no limite da Lei de Responsabilidade Fiscal, com gastos de pessoal ultrapassando os limites permitidos da receita corrente líquida.

Esses desmandos mostram que o problema vai além da União e que há uma cultura de uso predatório dos recursos públicos em todas as esferas de governo. E aqui entra o conceito fundamental de controle social que estabelece que sem a fiscalização ativa dos cidadãos continuaremos a ver o dinheiro público sendo dilapidado por elites políticas que se comportam como donas do erário.

Gastar melhor não é capricho de tecnocratas, mas um dever de justiça social, responsabilidade com as futuras gerações e respeito aos que sustentam o setor público com seus impostos. A verdadeira grandeza de um governo não está no tamanho de suas comitivas nem na generosidade com aliados, mas na capacidade de servir ao bem comum com parcimônia e dignidade. Devemos buscar punir os agentes públicos que usam o poder para criar leis injustas e negar a justiça aos pobres, eventos comuns no Brasil de sempre. Devemos cobrar retidão, equidade e respeito aos mais vulneráveis.


quarta-feira, 23 de abril de 2025

Por que a produtividade não decola?

A análise da produtividade do trabalho é um espelho revelador da capacidade de uma economia em gerar riqueza a partir da força de trabalho disponível. Em estudo recente, conduzido com base nos dados do PIB e do emprego formal entre os anos de 2011 e 2021, é possível observar com precisão desconfortável o que os números ajustados insistem em dizer: estamos presos em um ciclo de estagnação estrutural em produtividade.

Tomando como referência a produtividade do trabalho, dividindo-se o PIB dos municípios pela força de trabalho formal, nota-se que, apesar do crescimento absoluto em diversos municípios da região, a evolução relativa é decepcionante, com metade dos municípios da região do Vale do Ivaí ficando abaixo da mediana do estado, que ficou em 0,7% ao ano. Apucarana, por exemplo, apresentou uma taxa geométrica anual de crescimento da produtividade de apenas 0,6% ao ano, empatada com Jandaia do Sul. Ivaiporã apresentou uma taxa anual de 0,5%.

Os melhores resultados da região ficaram com São Pedro do Ivaí (1,3%), Rio Branco do Ivaí (1,2%) e Lunardelli (1,0%). Porém, esses resultados devem ser analisados com ressalvas pelo fato de que ocorreu uma forte redução dos empregos formais. Em São Pedro do Ivaí, por exemplo, o emprego formal no ano de 2021 estava inferior à metade do total do ano de 2011. Esses dados precisam ser estudados sobre outras perspectivas, pois há possibilidade de redução de acesso aos direitos sociais com a redução do emprego formal. 

Dos municípios paranaenses que apresentaram evolução da produtividade acima da mediana estadual e que tiveram aumento dos empregos formais podemos destacar Jussara, Ribeirão do Pinhal, Iracema do Oeste e Florestópolis, entre outros. No Vale do Ivaí somente Ariranha do Ivaí e Kaloré apresentaram esse desempenho, revelando trajetórias mais dinâmicas. O que explica essa disparidade?

A resposta, ao menos em parte, está no acúmulo de omissões estratégicas. As políticas públicas têm ignorado as mudanças demográficas, tecnológicas e organizacionais que reconfiguram a produtividade nas economias mais dinâmicas. A região do Vale do Ivaí, com sua histórica vocação agroindustrial, poderia estar liderando um novo ciclo de inovação, aproveitando as oportunidades da digitalização do campo e da agregação de valor industrial. Mas não: temos planos de desenvolvimento genéricos, focados em eventos pontuais e programas de incentivo fiscal que pouco estimulam o ganho de produtividade.

Em outro estudo em que participei no ano de 2024 é destacada a importância do perfil etário da força de trabalho, reforçando que o envelhecimento sem renovação qualificada tende a reduzir o dinamismo produtivo. Estudos internacionais mostram como o envelhecimento da força laboral pode impactar negativamente o crescimento da produtividade total dos fatores. No caso do Vale do Ivaí, a ausência de políticas voltadas à qualificação contínua da mão de obra, ao fomento à inovação e à modernização dos processos produtivos apenas aprofunda esse quadro de baixa eficiência.

É legítimo, portanto, perguntar: o que, de fato, estamos fazendo para mudar esse cenário? Onde estão as estratégias integradas entre governos locais, universidades e instituições de ciência e tecnologia que possam impulsionar a produtividade nos setores com maior vocação econômica? O Vale do Ivaí precisa deixar de ser um coadjuvante nas estatísticas do atraso para protagonizar sua própria história de transformação ou continuará sendo apenas mais um número no retrato da estagnação.


quarta-feira, 16 de abril de 2025

Entre os dados e as decisões

Nos últimos anos, o ensino técnico profissionalizante passou a ocupar um espaço importante na agenda educacional e de desenvolvimento do país. No Paraná, o número de alunos matriculados nesses cursos cresceu 41,7% nos últimos dez anos. Em Apucarana, o avanço foi de 45,6% e em Arapongas ocorreu um expressivo aumento de 67,7%. Em contrapartida, Jandaia do Sul registrou uma redução de 15,1% no número de matrículas. Esses dados, por si só, já indicam um caminho que merece reflexão: não basta aumentar ou diminuir a oferta de vagas. É preciso qualificar esse crescimento com planejamento e coerência com a realidade econômica regional.

A ausência de um alinhamento entre os cursos técnicos ofertados e as reais demandas do mercado local tem um custo social, econômico e humano muito alto. Quando se formam dezenas ou centenas de jovens em áreas sem absorção regional, o resultado é a frustração de expectativas e a formação de um contingente de profissionais que, embora tecnicamente qualificados, acabam empurrados para funções que não exigem nenhuma qualificação. Esse descompasso perpetua o ciclo do subemprego, onde jovens com formação técnica passam a ocupar postos informais, com baixa remuneração, sem proteção social e longe de exercerem plenamente seu potencial produtivo.

O caso de municípios que ofertam cursos técnicos em áreas como turismo, informática ou eventos, sem qualquer estrutura local para absorver esses profissionais, é ilustrativo. Os egressos, sem oportunidades nas suas áreas, buscam vagas em centros urbanos maiores ou acabam aceitando empregos fora do perfil técnico adquirido. A cidade perde em produtividade, o jovem perde em motivação, e o Estado desperdiça recursos que poderiam ter sido direcionados com mais eficácia.

Mais grave ainda é o impacto disso no longo prazo. O jovem que se vê subempregado após anos de estudo técnico tende a desacreditar no valor da educação e a se distanciar de novos ciclos de qualificação. Esse afastamento provoca o enrijecimento da mobilidade social e reforça desigualdades históricas. O subemprego, quando reiterado, não é apenas um problema individual. É um sintoma de desfuncionalidade sistêmica que compromete a competitividade local.

E se há municípios, como Arapongas, que têm conseguido crescer alinhando formação técnica com vocações locais, como o setor moveleiro e de design industrial, há outros, como Jandaia do Sul, que, mesmo com potencial em áreas como agroindústria, biotecnologia e logística, não conseguem consolidar uma política consistente de formação de mão de obra. Isso mostra que o problema não está na ausência de demanda, mas na ausência de planejamento estratégico.

Em países desenvolvidos, o ensino técnico é instrumento de política industrial. A Alemanha adota o sistema dual, integrando escola e empresa. O Japão direciona sua formação técnica para setores prioritários de sua economia. A Finlândia vincula a educação profissional aos ecossistemas regionais de inovação. Em todos esses casos, a formação de mão de obra é vista como elemento prioritário.

No Brasil, ainda precisamos abandonar a lógica da improvisação. Não basta oferecer cursos para preencher estatísticas. É necessário um pacto federativo que envolva municípios, estados, setor produtivo e instituições de ensino, voltado a mapear demandas regionais e prever tendências de mercado para definir o que e onde formar. Só assim romperemos com o ciclo do subemprego e daremos à juventude o que ela realmente precisa: trabalho digno, oportunidade e pertencimento.


sexta-feira, 11 de abril de 2025

O elo perdido

Em tempos de desconfiança generalizada com a política e o setor público, falar sobre impostos ainda soa como tabu. Para uns trata-se de um mal necessário e para outros de um fardo injusto. Mas poucos se dão conta de que, para além da carga tributária, existe um componente essencial para o bom funcionamento da máquina pública: a cidadania fiscal. Esse conceito implica em corresponsabilidade, vigilância ativa e consciência de que cada ação individual tem reflexos no coletivo.

Cidadania fiscal é, em termos simples, o exercício da responsabilidade cidadã no que se refere às obrigações tributárias. Ela se manifesta no ato de pedir nota fiscal ao comprar um bem ou serviço, no acompanhamento dos gastos públicos e na cobrança por transparência e eficiência por parte dos gestores. É, em essência, a compreensão de que o dinheiro que financia escolas, hospitais, estradas e segurança pública não vem do nada.

Quando um cidadão exige a nota fiscal de uma compra, está garantindo que aquela operação seja registrada e, portanto, tributada conforme a lei. Pode parecer um gesto pequeno, quase insignificante. Mas é exatamente nessa cadeia de pequenos gestos que se estrutura o financiamento do Estado. Municípios, estados e a União dependem da arrecadação para manter e expandir as políticas públicas. E quando essa arrecadação falha, por evasão ou sonegação, todo o conjunto da sociedade paga a conta, inclusive quem acredita estar “se dando bem” ao não cumprir as regras.

Claro que existem outras formas de financiar políticas públicas. O endividamento é uma delas, mas não é sustentável a longo prazo. Governos que se endividam em excesso comprometem gerações futuras e criam ambientes econômicos instáveis, com altas taxas de juros, fuga de investimentos e perda de credibilidade. A senhoriagem, que é a emissão de moeda para cobrir despesas, é uma tentação perigosa. Em economias em desenvolvimento, como a brasileira, imprimir dinheiro além do necessário desvaloriza a moeda, gera inflação e corrói o poder de compra dos mais pobres.

Em meio a uma demanda crescente por serviços públicos é necessário que os gestores públicos tracem cenários realistas e sustentáveis. Criar programas e projetos para atender demandas momentâneas, sem planejamento de médio e longo prazo, é um erro grave. Pior ainda quando essas ações competem com políticas mais estruturantes, colocando em risco o equilíbrio fiscal e a própria continuidade de serviços essenciais.

Não se trata, portanto, de cortar despesas de forma indiscriminada, como se isso fosse a panaceia da gestão pública. Tampouco é razoável pensar em aumentar a carga tributária de um país já reconhecidamente pesado em tributos. A chave está na eficiência do gasto e na efetividade da arrecadação. É preciso gastar melhor, com mais planejamento, metas claras e avaliação de resultados. É preciso arrecadar melhor, combatendo com firmeza a evasão fiscal e a sonegação, que corroem a base de financiamento estatal e promovem injustiças gritantes.

Precisamos entender que viver em sociedade implica aceitar regras. A fiscalização, nesse contexto, não é uma perseguição ao cidadão ou ao empresário, mas sim uma ferramenta de equidade. Quem paga seus impostos corretamente não pode ser prejudicado pela conivência com quem burla o sistema. A convivência democrática exige equilíbrio entre direitos e deveres e a cidadania fiscal é uma ponte essencial nesse caminho. A verdade é que sem cidadania fiscal, continuaremos girando em falso, cobrando do Estado aquilo que, como sociedade, ajudamos a sabotar.


quarta-feira, 2 de abril de 2025

UTI fiscal

Os dados mais recentes do Boletim Focus, divulgado em 28 de março, escancaram um cenário econômico cada vez mais preocupante para o Brasil. As expectativas inflacionárias não dão trégua: para 2025, o IPCA projetado segue firme em 5,65%, superando com folga o teto da meta, que é de 4,50%. E o que é ainda mais alarmante é que para os anos seguintes, a previsão é de que a inflação permaneça persistentemente acima de 4%, consolidando um ambiente de perda de poder de compra e corroendo o orçamento das famílias, especialmente das mais pobres.

Essa pressão inflacionária é acompanhada de uma deterioração das expectativas de crescimento. A projeção do PIB para este ano já recuou para tímidos 1,97%, reflexo direto da desorganização das contas públicas e da incapacidade do governo federal em apresentar um plano crível de estabilidade fiscal. O desequilíbrio orçamentário gera desconfiança, afugenta investimentos e mina qualquer possibilidade de retomada sólida. A consequência mais cruel é a estagnação do mercado de trabalho que se apresenta com baixo dinamismo econômico. O país não absorve sua juventude em idade ativa, resultando em desemprego real disfarçado e em um empobrecimento estrutural da população.

A situação piora quando olhamos para os juros. A expectativa para a taxa Selic estacionou em 15% ao ano, se caracterizando como uma das mais altas do mundo em termos reais. Esse patamar sufoca a atividade produtiva, encarece o crédito e aumenta de forma explosiva o custo de rolagem da dívida pública. A expectativa sobre a dívida líquida do setor público já representa 65,75% do PIB, e, com juros tão altos, a tendência é que esse percentual continue subindo, agravando ainda mais o quadro de insolvência fiscal. O resultado nominal previsto para 2025, com déficit de 9% do PIB, é simplesmente insustentável.

Diante desse panorama, o que vemos por parte do governo? Inanição. A política econômica da gestão Lula parece padecer de total paralisia técnica e de visão estratégica. O discurso oficial insiste em promessas de crescimento inclusivo e desenvolvimento sustentável, mas o que temos é a perpetuação de uma política de gastos sem rumo, guiada não por metas de eficiência e bem-estar, mas por interesses paroquiais do Congresso Nacional. O orçamento público está tomado pelas emendas parlamentares enquanto projetos estruturantes e investimentos em áreas prioritárias seguem negligenciados.

Essa captura do orçamento e a ausência de diretrizes claras tornam impossível qualquer trajetória de estabilidade e prosperidade. É como se o governo estivesse preso a uma ilusão de desenvolvimento que não se sustenta em bases econômicas sólidas. Enquanto isso, a sociedade brasileira, que ainda tenta se recuperar das crises recentes, é lançada novamente em um ciclo vicioso de inflação, baixo crescimento e deterioração social. Mais uma vez estamos diante de uma “tempestade perfeita”.

Se o governo não tomar consciência da gravidade da situação e não promover uma guinada completa na condução econômica, com foco na responsabilidade fiscal, na eficiência do gasto público e na retomada do crescimento sustentável, estaremos condenados a mais uma década estagnada.

Como bem dizia a poetisa mineira Adélia Prado, “o que a memória ama, fica eterno”. Infelizmente, o que o Brasil parece estar eternizando é a memória de uma política econômica desgovernada, em que a realidade fiscal sangra e os sonhos de mobilidade social evaporam. Se não mudarmos já, vamos amar por muito tempo apenas a lembrança de um país que poderíamos ter sido.


quarta-feira, 26 de março de 2025

Seria muito legal

Recentemente, assisti a um relato de um empresário frustrado. Depois de um processo seletivo criterioso, contratou um novo colaborador para seu escritório de contabilidade. Dias depois, a tal contratação se desfez. O motivo? O recém-contratado não conseguiu lidar com a política da empresa de proibição do uso de celulares durante o expediente. É isso mesmo. Um profissional se demitiu porque não podia passar o dia no celular. Se fosse uma anedota, não teria tanta graça.

O empresário compartilhou outro dado curioso: alguns candidatos vieram acompanhados pelos pais para a entrevista. Sim, adultos buscando uma vaga no mercado de trabalho necessitando de apoio moral materno ou paterno para responder perguntas básicas sobre sua própria capacitação. Quando esse tipo de história vem à tona, sempre há uma legião de defensores, normalmente composta pelos próprios pais desses jovens, justificando que o mundo mudou, que as regras precisam ser adaptadas à nova realidade e que proibir celulares no trabalho é um absurdo.

Por outro lado, enquanto assistimos a esse tipo de cena tragicômica, sabemos que trabalhadores mais experientes, aqueles com 50 anos ou mais, enfrentam uma barreira quase intransponível para conseguirem emprego. Se, por um lado, a chamada Geração Z (nascidos entre 1997 e 2010) reclama de regras que consideram antiquadas, por outro, a Geração X (1965 a 1980) encontra portas fechadas simplesmente porque o mercado considera que já passaram da idade “ideal” para serem produtivos.

Muitos empreendedores que se deparam com a ineficiência dos mais jovens logo recorrem ao conselho clássico: “contrate pessoas da Geração X”. Afinal, elas possuem experiência, responsabilidade e maturidade para compreender a importância de regras no ambiente de trabalho. No entanto, a inserção desses profissionais em equipes predominantemente compostas por jovens da Geração Y (1981 a 1996) e Z pode gerar um choque inevitável.

E não se trata apenas de diferenças no modo de trabalhar. A realidade é que uma parte significativa das novas gerações não respeita os mais velhos. E nem é preciso fazer pesquisas extensas para comprovar esse fato. Basta passar alguns minutos observando vagas exclusivas para idosos em estacionamentos de supermercados para flagrar jovens “saudáveis” ocupando esses espaços sem o menor constrangimento. Recentemente, fiz esse exercício e presenciei uma jovem senhora, acompanhada de sua filha adolescente, estacionar na vaga de idosos e seguir para as compras. Também vi um casal jovem, vestido com roupas de academia cometer o mesmo ato infracional.

Isso é apenas um retrato de um problema maior: o desrespeito generalizado pelas normas de convivência e, principalmente, a falta de respeito pelos mais velhos. Enquanto o etarismo impede que profissionais experientes se mantenham no mercado de trabalho, os mais jovens exigem que as empresas se moldem aos seus hábitos e conveniências. Esse paradoxo revela uma sociedade cada vez mais desconectada do que significa responsabilidade, empatia e civilidade.

Seria ingênuo acreditar que apenas normas e leis resolverão essa questão. De nada adianta um código formal se não há fiscalização e, mais importante, uma consciência coletiva de que o respeito precisa ser uma via de mão dupla. E enquanto as autoridades se mostram inertes diante dessa degradação comportamental, talvez seja o momento de usar as palavras de Benito di Paula: “seria muito bom, seria muito legal” se todas as gerações do alfabeto aprendessem, finalmente, a se respeitar mutuamente.


quarta-feira, 19 de março de 2025

Eldorado sem rumo

O governo Lula 3 tem se mostrado alarmantemente ineficiente na condução da política econômica. Os principais indicadores de conjuntura e as percepções dos agentes econômicos convergem para um cenário atual e futuro desanimador. A inflação segue corroendo o poder de compra dos trabalhadores e comprimindo as margens de lucro das empresas, enquanto o crescimento econômico permanece anêmico. A produtividade estagnou, e a competitividade do país no mercado internacional continua em declínio. O Brasil persiste como um mero exportador de commodities, uma condição que sustenta um superávit comercial, mas escancara a incapacidade de agregar valor à produção e impulsionar setores estratégicos. 

A inércia do governo em adotar medidas estruturais eficazes, aliada à inépcia na formulação de políticas públicas que rompam com esse ciclo vicioso, reforça a fragilidade do modelo econômico nacional. Enquanto outras economias avançam com inovação e reindustrialização, o país se mantém refém de um modelo ultrapassado, sem perspectivas concretas de mudança.

A geração de emprego e renda é comemorada pelo governo, porém a intensidade de criação de novos postos de trabalho não são muito entusiasmantes e, com a pressão inflacionária se mantendo o Banco Central terá que manter os juros básicos da economia em patamares elevados, o que prescreve a continuidade do cenário desalentador.

A culpa deste cenário é exclusivamente da inércia do governo federal em promover as reformas necessárias. Se não pode ou não tem interesse em fazer reformas o governo deveria pensar minimamente em buscar o equilíbrio das contas públicas com o respectivo controle das despesas, em especial das despesas primárias. Mas isto não está acontecendo. Está no “DNA” do governo a gastança desenfreada e há uma grande tendência a esta condição piorar.

O governo Lula não consegue ou não quer pensar em conter despesas. Para os governistas todas as despesas são prioritárias. O interesse do alcaide supremo é “gastar” o que sobra da gastança do legislativo e judiciário. Dizem que temos o judiciário mais caro do mundo e o legislativo não fica para trás, pois além e custar muito caro, só pensam em aumentar suas despesas. Exemplo disto é a redução da jornada de trabalho dos servidores com a manutenção de salário e benesses.

Não obstante a isto o governo federal renunciou ao protagonismo na condução das políticas públicas ao permitir, e muitas vezes induzir, os parlamentares a utilizarem recursos orçamentários através de emendas parlamentares para beneficiar suas bases eleitorais ao arrepio dos interesses e necessidades da população. Não tem como isto dar certo.

Lula só pensa em gastar como se isto induzisse o crescimento econômico e a geração de empregos. Pode até gerar, mas com um gasto planejado e em condições específicas. Não é regra. Não obstante a isto a reforma ministerial que pretende fazer sinaliza para a piora deste quadro econômico caótico. Digo isto porque os novos ministros podem rejeitar as medidas de contenção de despesas, preferindo a prática de política fiscal expansiva.

Sem propostas concretas e sem rumo definido, Lula se limita a buscar culpados para problemas que são, em grande parte, responsabilidades de seu próprio governo – como no caso do aumento do preço dos ovos. A causa de todos os problemas econômicos, dentre eles o aumento do preço dos ovos, está na inércia, na inépcia e na falta de vontade do governo de tomar as decisões que devem ser tomadas. Enquanto isso, o país segue pagando a conta da incompetência governamental.


quarta-feira, 12 de março de 2025

Entre o chão e o teto

Recentemente, celebramos o Dia Internacional das Mulheres. E, de fato, há muito a se comemorar. As mulheres conquistaram espaço na sociedade, aumentaram sua participação no mercado de trabalho, avançaram na educação e ocupam, ainda que de forma desigual, postos de liderança. No entanto, como vi em uma postagem nas redes sociais, essa data não deve ser apenas festiva. Ela é um dia de luta, um dia político. E com isso concordo plenamente. A data marca uma histórica jornada de batalhas por direitos iguais, um movimento que está longe de ser concluído.

Um dos temas centrais dessa luta é a desigualdade salarial entre homens e mulheres. A teoria do capital humano de Gary Becker sugere que os salários devem ser determinados por fatores como escolaridade e experiência. Contudo, vários estudos demonstram que, mesmo controlando essas variáveis, as mulheres continuam ganhando menos do que os homens. Esse fenômeno é explicado, em parte, por duas teorias: a do “teto de vidro” e a do “chão pegajoso”.

O “teto de vidro” é uma barreira invisível que impede a ascensão das mulheres a cargos de liderança e maior remuneração. Mesmo quando possuem qualificação igual ou superior à dos homens, elas são preteridas nos postos de decisão. Já o “chão pegajoso” refere-se à dificuldade das mulheres em saírem de cargos de baixa remuneração, muitas vezes associados à economia do cuidado e às tarefas consideradas “femininas”, perpetuando sua desvantagem econômica.

Essa realidade é evidente nos dados do mercado de trabalho. Em recente estudo que fiz sobre os salários pagos no setor industrial do Paraná no ano de 2022, verificou-se que as mulheres ganham, em média, 18,2% menos do que os homens, variando conforme a região do estado. O estudo teve como base a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Os números da nossa região confirmam essa tendência. 

Em outro estudo que realizei especificamente sobre nossa região e para todos os setores da atividade econômica também se verificou discriminação salarial quanto ao gênero. Controlando as variáveis de escolaridade, horas contratadas, idade e tempo de trabalho constatou-se que as mulheres recebem menos que os homens. Em Apucarana, as mulheres recebem 7,72% menos que os homens, diferença que podemos atribuir à discriminação salarial de gênero. Em Arapongas a discriminação chega a alarmantes 12,48%. Em Ivaiporã e Jandaia do Sul, os percentuais de discriminação são de 9,04% e 9,92%, respectivamente. Mulheres, que exercem funções idênticas às dos homens e possuem a mesma qualificação, continuam recebendo menos.

E como se corrige essa distorção histórica? Primeiro, é preciso que as empresas adotem práticas mais transparentes de remuneração e promoção, garantindo igualdade de oportunidades para mulheres e homens. Segundo, é necessário investir em políticas públicas que promovam maior equidade no mercado de trabalho, como fiscalização do cumprimento da legislação de igualdade salarial e incentivo à participação feminina em cargos de liderança. Terceiro, é fundamental que toda a sociedade se una a essa causa, combatendo estereótipos e cobrando mudanças efetivas.

O Dia Internacional das Mulheres deve, sim, ser comemorado, mas não somente como uma data para flores e elogios vazios. É um dia de reflexão e, mais do que isso, de ação. Se queremos uma sociedade justa e desenvolvida, precisamos lutar para que a igualdade de gênero no mercado de trabalho deixe de ser uma meta distante e se torne uma realidade concreta.