quarta-feira, 24 de abril de 2024

Um espelho distorcido

A xenofobia, caracterizada por uma aversão ou hostilidade direcionada a pessoas de outras nacionalidades, culturas ou etnias, é um mal persistente que desafia os fundamentos de qualquer sociedade que se pretende inclusiva e democrática. Tomemos, por exemplo, a situação fictícia de um trabalhador vietnamita na França, ridicularizado e ostracizado não por sua competência profissional, mas por sua origem e sotaque. Essas atitudes refletem preconceitos profundamente arraigados que encontram paralelos na realidade concreta de muitos brasileiros na Europa.

Um perturbador incidente em que uma brasileira foi expulsa de um clube de luxo em Madri destaca a xenofobia sistemática enfrentada por latino-americanos na Espanha e na França. A mulher foi publicamente humilhada e estigmatizada com estereótipos depreciativos sobre sua nacionalidade, refletindo um preconceito arraigado. Este caso, amplamente divulgado e seguido por uma avalanche de insultos online, evidencia a discriminação estrutural e sublinha a urgência de adotar medidas eficazes para erradicar a intolerância institucionalizada, garantindo assim a proteção dos direitos e a dignidade dos imigrantes.

Portugal, apesar de sua familiaridade cultural com o Brasil, não está isento de tais problemas. Muitos brasileiros relatam dificuldades em se integrar plenamente na sociedade portuguesa, enfrentando preconceitos ligados a estereótipos negativos e barreiras econômicas e documentais. A xenofobia, neste contexto, não apenas afeta a inclusão social, mas também reflete as tensões econômicas, com brasileiros sendo acusados de inflacionar o mercado de trabalho e de habitação.

Essa problemática não se restringe à Europa. No Brasil, imigrantes haitianos, venezuelanos e cubanos frequentemente enfrentam discriminação. Também é comum observarmos críticas à migração interna de brasileiros de diferentes regiões do país, o que destaca como a xenofobia pode manifestar-se em uma dimensão interna, afetando não apenas estrangeiros, mas também cidadãos dentro de seu próprio país.

Essencialmente, a maioria dos conflitos xenofóbicos tem uma base econômica, onde a competição por empregos e recursos amplifica o preconceito e a discriminação. Na Europa, a densidade demográfica e a presença significativa de estrangeiros intensificam esses desafios. Alguns países europeus estão até considerando programas de extradição voluntária para abrandar essas tensões, financiando o retorno de brasileiros ao seu país de origem.

Apesar de os estrangeiros ocuparem menos de 1% dos empregos formais em nossa região, na Europa, essa porcentagem é muito maior, o que pode ajudar a explicar a intensidade da xenofobia observada.

Diante deste panorama, é necessário promover a tolerância e a compreensão mútua. Como bem observou o filósofo Immanuel Kant, “O céu estrelado acima de mim e a lei moral dentro de mim” nos lembram da ordem universal da dignidade humana que deve guiar nossas ações. Os governos, tanto no Brasil quanto no exterior, devem reforçar o amparo aos imigrantes e assegurar a integridade de seus direitos, enquanto nós, como sociedade, devemos cultivar uma convivência respeitosa e inclusiva.

A xenofobia impede que vejamos nos outros um espelho de nossa própria humanidade. Ela é um espelho distorcido da sociedade global que precisamos quebrar e refazer, de modo que reflita um ser humano mais empático e solidário. Superar esse obstáculo é essencial para construir um mundo onde a diversidade é celebrada como um enriquecimento mútuo, e não vista como uma ameaça.


quarta-feira, 17 de abril de 2024

Ruralidade em risco

Em recente palestra ministrada pelo professor Eugenio Cejudo García, da Universidade de Granada, Espanha, os desafios enfrentados pelas áreas rurais na Europa, mais especificamente na Espanha, foram destacados. O foco de sua análise recai sobre o fenômeno preocupante do despovoamento rural, uma tendência que não é exclusiva da Europa, mas que ressoa em diversos cantos do mundo, incluindo a China e o Brasil.

O despovoamento rural, acompanhado do envelhecimento e da masculinização da população que permanece, é uma realidade alarmante. Na China, esse fenômeno é agravado pelo baixo nível de desenvolvimento rural e uma pobreza acentuada, estimulando uma migração massiva para as cidades. Esta migração gera, por sua vez, grandes concentrações urbanas nas periferias, exacerbando os impactos sociais e econômicos negativos nas áreas urbanas e aumentando a demanda por políticas públicas de assistência.

No Brasil, padrões similares foram observados nas décadas de 1950 a 1980, e esses movimentos migratórios não cessaram. Espera-se que o Censo Demográfico de 2022 capture esses eventos, o que deve instigar o setor público a conceber políticas que mitiguem os efeitos adversos tanto no campo quanto nas cidades. Contudo, há uma aparente resignação por parte de nossos políticos, que parecem aceitar esses eventos como inevitáveis, ao invés de buscar soluções inovadoras.

O desalento dos pequenos produtores rurais e a falta de sucessão nas propriedades levam à ocupação das terras por cultivos extensivos, como soja, trigo e milho. Este fenômeno levanta uma questão crítica: quem produzirá alimentos diversificados como hortaliças e frutas? Se tais produtos precisarem ser importados de outras regiões, isso refletirá em custos elevados e preços inflados, impactando no custo de vida da população.

O despovoamento rural não é uma situação que deve ser normalizada. Os pequenos municípios sofrem dramaticamente com a migração dos jovens para centros urbanos maiores, uma realidade que pode até mesmo ameaçar a viabilidade desses municípios. É necessário, portanto, reavaliar as condições de vida tanto nas áreas rurais que são abandonadas quanto nas áreas urbanas que recebem essas novas ondas migratórias.

A pesquisa e a conscientização sobre estes temas são críticas, mas a realidade mostra que o impacto desses estudos nas políticas públicas ainda é limitado. As universidades brasileiras estudam estes fenômenos, porém há uma lacuna evidente entre o conhecimento produzido e a sua aplicação prática no desenvolvimento de políticas públicas eficazes.

A filosofia de Jean-Jacques Rousseau enfatiza que quando o governo falha em proteger os direitos do povo ou é ineficaz, é dever do povo opor-se à inércia política para garantir sua liberdade e melhorar sua qualidade de vida. Assim, torna-se essencial reconhecer e agir decisivamente contra os desafios do mundo rural, evitando a aceitação passiva da deterioração dessas comunidades e seus impactos devastadores na sociedade.

O despovoamento rural e a urbanização descontrolada não são meros eventos estatísticos, são fenômenos palpáveis que impactam milhões de vidas. Assim, é imperativo que os agentes políticos levem em consideração as pesquisas universitárias que investigam essas questões. Dessa forma, garantimos que as políticas públicas sejam fundamentadas em uma análise aprofundada e compreensiva destes desafios, visando não somente soluções temporárias, mas também estratégias sustentáveis e eficazes para enfrentar estas questões críticas de forma contínua.


quarta-feira, 10 de abril de 2024

Controvérsias econômicas

A crítica contundente do Ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, ao método de controle inflacionário do Banco Central, utilizando a taxa Selic, que ele descreveu como “a forma burra de fazer” e afirmando que o Banco Central precisa estudar mais para conhecer os fundamentos da economia, destaca a necessidade de uma abordagem mais fundamentada e construtiva nos debates econômicos entre órgãos governamentais.

Tais declarações são expressivas e carregadas de implicações, não apenas pela natureza das críticas, mas também pelo perfil e histórico do crítico. Luiz Marinho, embora com uma trajetória respeitável no movimento sindical e na política, apresenta um currículo desprovido de formação especializada em economia. Isso não invalida sua capacidade de análise ou crítica, mas demanda um maior cuidado ao abordar temas de complexidade econômica. Ademais, suas experiências prévias como Ministro do Trabalho e Emprego e da Previdência Social, embora relevantes, não substituem a expertise econômica necessária para embasar críticas tão específicas às políticas monetárias.

A estratégia de controle inflacionário via taxa de juros, embora sujeita a debates e críticas, é fundamentada em teorias econômicas amplamente estudadas e aplicadas globalmente. Afirmar que os dirigentes do Banco Central, liderados por Roberto Campos Neto, não compreendem os “fundamentos da economia” parece não apenas uma simplificação, mas uma injustiça com profissionais que estão na linha de frente do combate à inflação, um mal que desgasta o poder de compra e afeta principalmente as camadas mais vulneráveis da população. Sem dúvida, a dosagem da política monetária é um debate válido, mas deve ser conduzido com argumentos técnicos e construtivos, não com adjetivações desqualificadoras.

A crítica de Marinho à política monetária do Banco Central também se choca com sua própria trajetória, especialmente considerando as incongruências em sua gestão na Previdência Social, onde os reajustes das aposentadorias e pensões ficaram abaixo dos aumentos do salário-mínimo, contradizendo sua retórica sindicalista e compromisso social. Essa discrepância entre discurso e ação mina a força de suas críticas atuais e sugere uma necessidade de introspecção e alinhamento entre prática e pregação.

Ademais, o compromisso feito por Marinho ao reassumir o Ministério do Trabalho e Emprego em 2023, de proteger os direitos trabalhistas e manter uma política de valorização do salário-mínimo, parece ainda não ter sido plenamente honrado, dada a persistente defasagem do salário-mínimo frente à inflação. Essa constatação reforça a ideia de que a atenção do Ministro talvez devesse estar mais voltada para a efetivação de suas próprias promessas e responsabilidades, em vez de dispersar foco em críticas a outras esferas de gestão.

No contexto das críticas de Marinho, é pertinente evocar a máxima do filósofo grego Aristóteles: “O todo é maior que a soma de suas partes”. Essa reflexão filosófica sublinha a importância de cada componente de um sistema em desempenhar sua função específica de maneira eficiente e harmônica. Aplicada ao debate em questão, sugere que a contribuição mais valiosa que cada líder e órgão governamental pode oferecer à sociedade é a execução diligente e competente de suas próprias tarefas. Quando cada parte foca em melhorar e otimizar sua própria atuação, o conjunto da sociedade se beneficia, pavimentando o caminho para um diálogo mais produtivo e menos polarizado sobre as políticas econômicas e sociais do país.

 

quarta-feira, 3 de abril de 2024

Ouse saber

Numa aula inspiradora ministrada pelo Prof. Moacir Piffer aos alunos da pós-graduação na Unioeste de Toledo, foi apresentada uma reflexão profunda: “Quanto mais conhecimento adquirimos, mais preocupações teremos”. Essa afirmação, à primeira vista contraditória, encerra uma verdade fundamental sobre a condição humana e a sociedade em que vivemos. O professor complementou com uma provocação ainda mais instigante: “Quem não quiser ter preocupações deve evitar o conhecimento e continuar ignorante”. Esta provocação é uma luz que ilumina as escolhas diante de nós: a busca pelo conhecimento ou a resignação na ignorância.

Vivemos em sociedades onde o poder é frequentemente perseguido não como um meio para um fim nobre, mas como um fim em si mesmo. Esse desejo pelo poder, desvinculado de um propósito maior de servir à comunidade, resulta em algumas lideranças que, longe de buscar a justiça social através de políticas públicas eficazes, buscam apenas a perpetuação de seus status e benefícios. O comentário do professor Piffer ressoa profundamente nesse contexto, sugerindo que o conhecimento nos traz a responsabilidade de reconhecer e enfrentar as injustiças que permeiam nossa sociedade.

Exemplos não faltam de sociedades assoberbadas por dificuldades, onde o medo dos governantes é palpável e, por isso, oprimem o seu povo que vive na esperança de que sobras da abundância dos ricos caiam em suas mãos. Nessas sociedades, os governantes, longe de se preocuparem com o bem-estar de todos os cidadãos, empenham-se em maquiar a realidade de suas práticas nefastas. A triste verdade é que, embora nem todos os governantes sejam desprovidos de preocupação genuína com seu povo, e nem todas as sociedades sofram nesse grau dos exemplos, a maioria parece estar presa nesse círculo vicioso.

A luz no fim do túnel, como Piffer insinuou, é o conhecimento. Através dele, podemos começar a enfrentar as mazelas sociais perpetuadas por gestões públicas inadequadas. No entanto, enfrentamos um obstáculo desanimador: o abandono da educação. Ano após ano, testemunhamos um declínio no número de jovens engajados em sua própria formação educacional. Desde o ensino fundamental até as universidades, a tendência é preocupante, com muitos abandonando os estudos e, consequentemente, a oportunidade de adquirir conhecimento.

Neste contexto sombrio, não posso deixar de evocar a memória do Iluminismo, aquele movimento que revolucionou o pensamento e a sociedade, impulsionando a humanidade para frente com suas ideias de razão, ciência e, acima de tudo, conhecimento. Parece que estamos, de forma irônica, necessitando desesperadamente de um novo Iluminismo, uma renovação do compromisso com o conhecimento como a luz que pode nos guiar através da escuridão da ignorância e da complacência.

Recorro às palavras de Immanuel Kant, uma figura central do Iluminismo, que desafiou o mundo com o imperativo “Ouse saber”. Esse encorajamento nunca foi tão pertinente. O conhecimento não é apenas uma ferramenta para o desenvolvimento pessoal; é um farol que ilumina o caminho para uma sociedade mais justa, equitativa e humana. Precisamos nos preocupar, e para isso, cada vez mais, precisamos de mais conhecimento. O conhecimento nos equipa não apenas para enfrentar as preocupações que vêm com ele, mas também para transformar essas preocupações em ações significativas. Portanto, que nos aventuremos corajosamente na busca pelo conhecimento, pois, como Kant nos lembra, é através dele que encontraremos a coragem de enfrentar e moldar o mundo em que vivemos.


quarta-feira, 27 de março de 2024

As universidades transcendem fronteiras

Dentro do emaranhado de responsabilidades e impactos das universidades, se destaca a contribuição ao desenvolvimento econômico, especialmente para o desenvolvimento regional. Tal aspecto não somente ressalta o papel do saber no tecido social, mas também lança luz sobre as responsabilidades que carregam em fomentar a metamorfose e o progresso das comunidades que os circundam.

É de suma importância salientar que as universidades já se encontram imersas em um mar de atividades comunitárias. Contudo, espreita-se um potencial ainda mais grandioso, intrinsecamente ligado às demandas que emanam dos atores locais. Esta interação vibrante entre as academias e a comunidade não apenas enobrece sua missão educacional, mas também pode contribuir com soluções inovadoras diante dos desafios que se apresentam tanto no plano local quanto regional.

As diretrizes curriculares que norteiam os cursos superiores são elaboradas de modo a alinhar os saberes produzidos com as particularidades e demandas do local e da região. Este planejamento estratégico amplifica o impacto socioeconômico das universidades, posicionando-as como verdadeiros agentes catalisadores do progresso regional.

Observa-se, entretanto, que os setores fundamentais da agricultura e pecuária, do comércio e serviços, assim como o meio industrial, por vezes demandam escassamente estudos, pesquisas e serviços oriundos das universidades. Tal realidade denota uma oportunidade desconsiderada, prejudicial tanto para os meios econômicos quanto para os altos estudos. É de extrema urgência que estes setores despertem para a aliança valiosa que as universidades representam, e que busquem de forma proativa sua colaboração, visando aprimorar processos e práticas. Esta simbiose não somente impulsionaria inovações significativas, como também contribuiria de modo substancial para o crescimento e desenvolvimento econômico da região.

Com a proliferação de instituições de ensino superior, públicas e privadas, nas regiões, o tripé formado pelo ensino, pesquisa e extensão se transforma em um robusto motor para atendimento às demandas sociais. Quando as necessidades locais encontram o vasto conhecimento e capacidade técnica das universidades, propicia-se um terreno fértil para a expansão de projetos que não apenas são relevantes, mas também transformadores.

Nossa região possui uma diversidade de cursos em múltiplas áreas do conhecimento, prontos para encarar desafios econômicos e sociais com destreza e eficácia. Mas, para que esta colaboração entre as universidades e as comunidades locais se efetive em sua plenitude, é imprescindível que ambas as partes se aproximem sem reticências, almejando estabelecer parcerias frutíferas e duradouras. Esta interação recíproca não apenas se mostra benéfica, mas é de essencialidade ímpar para o desenvolvimento sustentável da região e vital para a existência das universidades.

A proximidade das universidades com os setores da economia transcende a mera vantagem, estabelecendo-se como pilar indispensável para o avanço social e econômico. Inspirando-nos na sabedoria do filósofo Hegel, que nos legou que “A realidade é racional, e o racional é real”, destacamos a preponderância de uma abordagem pragmática, firmemente alicerçada na realidade. É pela aplicação prática do saber, em consonância com as comunidades e setores econômicos locais, que as universidades cumprem plenamente seu papel social, transformando ideais em realidade tangível e promovendo significativamente o bem-estar social.


quarta-feira, 20 de março de 2024

A Realidade da inflação

Na divulgação da inflação de fevereiro, o governo federal expressou sua preocupação com o marcante aumento dos preços dos alimentos. Este súbito alarme é desprovido de justificativa. Desde a posse em janeiro de 2023, era de conhecimento da atual gestão que a inflação vinha apertando o cinto dos brasileiros, afetando com maior intensidade os estratos mais vulneráveis da população.

A escalada inflacionária, sobretudo no que tange aos preços dos alimentos, não é um fenômeno abrupto ou inesperado. A crise da Covid-19 exacerbou essa tendência, tornando insustentável qualquer alegação de surpresa ou espanto por parte das autoridades. Tal reação pode ser interpretada como uma tentativa de mascarar a inércia governamental frente a problemas cruciais que afligem a nação.

Não é necessário ser um especialista para notar a inflação galopante que assola o país. Qualquer trabalhador assalariado pode atestar o peso crescente dos custos de vida, com os preços dos alimentos ascendendo mês a mês. Estranha-se, portanto, a aparente negligência do governo federal em antever tal cenário.

Uma análise dos últimos quatro anos revela um panorama ainda mais alarmante. Entre 2020 e 2023, a inflação acumulada, medida pelo IPCA, atingiu 28,5%. No que se refere especificamente aos gastos com alimentação no domicílio, o incremento foi de 45,1%. Tais números evidenciam que o problema não é recente e que atribuí-lo a administrações passadas ou tratá-lo como uma novidade são estratégias que desviam o foco de responsabilidades imediatas.

O governo Lula, já familiarizado com as adversidades estruturais e conjunturais do país, deveria ter implementado políticas públicas eficazes desde o início de seu mandato para aliviar o sofrimento dos mais afetados. No entanto, as ações concretas para conter a escalada dos preços e melhorar as condições de vida da população foram insuficientes.

Os dados são implacáveis: apenas para citar alguns exemplos, o arroz branco teve um aumento de 89,8%, o feijão preto de 48,2%, o tomate de 143,1%, o açúcar cristal de 100,4%, e os ovos de galinha de 78,7% nos últimos quatro anos. Estes aumentos não são frutos de um único mês de descontrole, mas sim de um processo cumulativo que se estende desde janeiro de 2020.

Diante desse quadro, cabe questionar: o que foi feito pelo governo federal nos 14 primeiros meses de mandato para reverter ou ao menos mitigar essa tendência? A inércia observada contraria a expectativa de ação urgente diante de um problema tão palpável e cotidiano para a população brasileira.

Chega-se, então, ao ponto mais alto desta reflexão, evocando uma frase emblemática que marcou os discursos do presidente Lula em seus primeiros mandatos: “nunca antes na história deste país”. Infelizmente, esse lema hoje ressoa com uma ironia amarga, à medida que o governo parece mais preocupado com questões geopolíticas distantes do que com as adversidades enfrentadas diariamente pelos seus cidadãos.

É imperativo que o presidente e sua equipe recalibrem suas prioridades, limpando as lentes de sua visão social para perceber a realidade que se desdobra bem diante de seus olhos. A necessidade de uma visão menos míope, mais atenta às urgências locais, nunca foi tão premente. A população merece e espera por respostas concretas, não por retórica vazia ou promessas não cumpridas. O governo deve focar na melhoria da qualidade de vida de seus cidadãos em vez de se perder em falácias populistas ou preocupações externas que desviam a atenção do essencial: o bem-estar do povo brasileiro.


quarta-feira, 13 de março de 2024

Desafios do terceiro mandato

À medida que o Brasil navega pelo terceiro mandato presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva, uma análise crítica das políticas e abordagens atuais do governo federal se faz necessária. A despeito do histórico político de Lula, que começou com um primeiro mandato promissor, seguido por um desempenho mediano no segundo, o cenário atual sugere que, sem uma mudança significativa de rota, seu terceiro mandato corre o risco de ser lembrado como um dos mais problemáticos do período pós-redemocratização do país.

Uma das críticas mais contundentes ao atual governo que se faz diz respeito à sua inclinação para uma maior interferência estatal na economia. Embora a intenção de regular e guiar a economia para um crescimento equitativo seja louvável, a maneira como isso está sendo proposto pelo presidente Lula, especialmente sua intenção de intervir nas decisões técnicas e nas indicações de empresas estatais e até mesmo na Vale (uma empresa que foi privatizada há décadas), revela uma abordagem preocupantemente intervencionista. Essa inclinação não apenas contraria a lógica de mercado e a autonomia empresarial, mas também ressuscita temores de uma governança excessivamente centralizada e politizada, que poderia prejudicar a eficiência e a competitividade no cenário global.

Além disso, a proposta de utilizar bancos públicos para forçar uma redução dos juros em um momento em que bancos centrais ao redor do mundo estão mantendo as taxas para combater a inflação, é particularmente alarmante. Embora a intenção de tornar o crédito mais acessível e estimular o crescimento econômico seja compreensível, essa estratégia ignora o contexto econômico global e os princípios básicos de política monetária. Com uma expectativa de inflação no Brasil persistindo na faixa de 3,5% para os próximos três anos, uma inflação dos alimentos em torno de 4% e um crescimento do PIB inferior a 2%, medidas populistas de curto prazo podem ter consequências desastrosas a longo prazo, incluindo a possibilidade de uma inflação descontrolada.

É crucial que o governo federal reconheça a importância de equilibrar intervenções estatais com as dinâmicas de mercado. Políticas econômicas não podem ser baseadas meramente em ideologias ou em tentativas de reverter privatizações passadas sem uma análise criteriosa dos potenciais impactos. A população brasileira merece e necessita de políticas que promovam o desenvolvimento sustentável, a estabilidade econômica e a inovação, em vez de medidas reativas que possam comprometer o futuro econômico do país.

Para que Lula evite a infeliz distinção de encerrar seu terceiro mandato como um dos menos eficazes da era pós-redemocratização, é necessário que haja uma reavaliação das estratégias atuais. O governo precisa adotar uma abordagem mais pragmática e menos ideológica, com políticas fundamentadas em dados concretos, análises técnicas e melhores práticas globais. A governança deve ser pautada pela eficiência, transparência e responsabilidade, priorizando o bem-estar a longo prazo da nação e de sua população.

Assim, urge que o presidente Lula e sua equipe governamental atuem menos com o “fígado” e mais com o “cérebro”. Decisões políticas e econômicas devem ser tomadas com cautela, consideração e baseadas em uma visão de futuro, não em reações emocionais ou inclinações ideológicas. O Brasil possui um potencial imenso para o progresso e a prosperidade, mas para que esse potencial seja realizado, é essencial que seus líderes escolham o caminho da razão, da inovação e da inclusão.